Da Tribuna do Norte
Stefan NestlerDeutsche Welle
Joseph "Sepp" Blatter
também já jogou futebol: como centroavante, nos anos 60 fez gols para o
FC Visp na primeira liga amadora da Suíça. Também foi treinador do clube
de sua cidade natal. Na época, ninguém diria que um dia ele seria o
mais poderoso dirigente do esporte no mundo. Ele nasceu em 1936 na
localidade de Visp, no cantão suíço de Wallis, não muito longe da
montanha Matterhorn, como o segundo entre os três filhos de um mecânico
de automóveis. Após concluir o curso médio, foi estudar economia e
administração de empresas em Lausanne. Inicialmente perseguindo carreira
em relações públicas, trabalhou para a Associação de Turismo de Wallis e
depois para uma fábrica multinacional de relógios.
vanessa carvalho
Joseph Blatter, ex-centroavante de um time na Suíça nos anos 1960, vai para o quinto mandato na entidade maior do futebol
Aos
39 anos, Blatter começou sua trajetória como dirigente de futebol. O
então presidente da Federação Internacional de Futebol (Fifa), o
brasileiro João Havelange, o levou para a organização. Na qualidade de
diretor dos programas de desenvolvimento, o suíço era responsável pelos
campeonatos de juniores, entre outras atividades.
Ele contava
também com a proteção de Horst Dassler, filho de Adolf Dassler, o
fundador da Adidas. Consta que, durante alguns meses, Blatter teve até
mesmo seu salário pago pelo conglomerado de artigos esportivos. Além
disso, Dassler disponibilizou para Blatter um escritório na Alsácia.
O
empresário alemão teria igualmente "mexido os pauzinhos" dentro da Fifa
quando, em 1981, Blatter foi escolhido para ser o secretário-geral, o
segundo cargo mais importante da federação internacional. Ele ficou
encarregado de negociar os direitos de transmissão televisiva dos
Mundiais de futebol e de gerir os contatos com os patrocinadores.
Além
disso, participou de algumas mudanças nos regulamentos, como a adoção
da "regra dos três pontos", segundo a qual uma vitória vale três pontos,
e o empate, apenas um. Blatter tinha fama de competente e comunicativo.
Em
1998, por fim, chegou ao topo. Na sucessão de Havelange à frente da
Fifa, conseguiu se impor contra o então presidente da Uefa, o sueco
Lennart Johansson. Várias fontes acusam Blatter de ter comprado os votos
dos delegados africanos por 1 milhão de dólares. Ele nega a acusação,
falando em "ajuda ao desenvolvimento".
Desde então, o presidente
da Fifa tem se mostrado extremamente resistente a escândalos. Por mais
sérias que fossem as circunstâncias, ele sempre conseguiu sair ileso. E o
que não faltou foi escândalo em seus 17 anos de gestão.
O mais
crítico para ele foi provavelmente o que envolveu a ISL, parceira de
marketing da Fifa, que pagava suborno aos dirigentes do esporte. Isso
foi confirmado em juízo, assim como o fato de que, como
secretário-geral, o cartola suíço sabia das propinas – descritas por ele
como "comissões". Em 2010, finalmente, a Fifa escapou do processo
pagando uma soma milionária e declarou Blatter inocente.
Em sua
terceira reeleição, em 2011, o dirigente se beneficiou da corrupção no
interior da própria federação. Seu adversário, Mohamed bin Hammam,
retirou a candidatura ao ser divulgado que ele tentara subornar
delegados do Caribe.
Embora o catariano tenha revelado que
Blatter sabia das negociações de suborno, a comissão de ética da Fifa
exonerou de culpa o presidente, que comentou na época: "Crise? Como
assim, crise? A Fifa não está em nenhuma crise. Temos apenas
dificuldades."
A comissão de ética também cuidou para que Blatter
atravessasse incólume as controvérsias sobre a concessão das Copas do
Mundo de 2018 e 2022 à Rússia e ao Catar, respectivamente. Ao contrário
do investigador-chefe da Fifa, Michael Garcia, a comissão não constatou
qualquer irregularidade nos procedimentos.
Muitos se perguntam
como é que Blatter consegue repetidamente se manter fora de todos os
apuros. Ele sabe como o poder funciona e o que é necessário para
mantê-lo, descarta as críticas externas com um sorriso, esmaga os
levantes que acontecem em seu próprio campo, neutraliza os competidores,
espera até que os problemas passem sozinhos.
Tudo isso é
possível por ele saber que pode confiar quase cegamente em seus
seguidores, por contar inteiramente com o respaldo dos cartolas da Ásia,
da África e da América Latina. Há 17 anos ele cultiva relações com
essas regiões seguindo o princípio do "é dando que se recebe".
"Sou
o presidente daqueles que têm que se esforçar mais para conseguir tocar
no concerto internacional", disse, certa vez, numa entrevista. "Então
sou, por assim dizer, o presidente dos pequenos."
Em muitos
países da Ásia, da África e da América Latina, Blatter é cultuado como
um "Messias do Futebol", que não só se empenha pelos clubes locais como
ainda consegue dinheiro para eles – seja como "ajuda para o
desenvolvimento", seja sob outros pretextos.
Assim, por mais que a
União das Federações Europeias de Futebol (Uefa) o demonize, os clubes
do continente só somam um quarto dos quadros de membros da Fifa – bem
menos que a maioria necessária para eventualmente derrubar o polêmico
presidente.
Se há algo que o cartola de 79 anos não tem, são
dúvidas. Ele não se cansa de proclamar que se encontra em meio a uma
missão: "Devido às emoções positivas que o futebol desencadeia, a Fifa é
mais influente do que qualquer país da Terra ou qualquer religião" –
essa é a crença de Sepp Blatter.
Os negócios da FifaFundada
em maio de 1904, a Fifa constitui uma associação nos termos do Código
Civil da Suíça. Enquanto entidade de utilidade pública com fins não
lucrativos, ela se compromete a reinvestir no futebol todos os seus
lucros e reservas, por exemplo, em programas juvenis e de
desenvolvimento. Receita e despesa têm que se igualar, não sendo pagos
dividendos. Isso é o que consta escrito em seu relatório atual.
Modelo comercialPor
ser uma associação, portanto, a Fifa só paga 4% de imposto sobre seus
lucros líquidos, a metade do que se cobra das firmas de capital. Isso
quando, na realidade, ela é um conglomerado bilionário, que faz dinheiro
sobretudo com a Copa do Mundo.
No entanto, enquanto entidade de
interesse público, como consta em seu estatuto, a Fifa não pode se
dedicar a atividades comerciais. Então de onde vêm as centenas de
milhões que ela lucra a cada ano?
Seu modelo comercial é
relativamente simples: o país anfitrião de cada Copa é quem arca com
todos os custos. Quem se candidata a sediar o evento tem que assegurar
total isenção de impostos à Fifa. Em volta dos locais dos jogos se forma
uma espécie de oásis fiscal, em que todos os parceiros da entidade
estão liberados dos impostos locais sobre renda ou valor agregado.
Especialistas
calculam que, desse modo, o fisco da Alemanha, por exemplo, deixou de
arrecadar cerca de 250 milhões de euros no Mundial de 2006. O mesmo se
aplica à Copa de 2010, na África do Sul, ou à de 2014, no Brasil – ambos
países que necessitariam urgentemente de maiores arrecadações.
FaturamentoA
fatia mais gorda das rendas da Fifa são os astronômicos direitos de
transmissão televisiva, cujo cumprimento é meticulosamente fiscalizado.
Em 2014 ela faturou com eles 742 milhões de dólares, além de outros 465
milhões de euros em direitos de marketing.
O relatório comercial
da Fifa para 2014 registra uma receita bruta de 1,9 bilhão de dólares.
Sobraram 141 milhões de dólares de lucro, elevando as reservas líquidas
da federação internacional para o atual 1,52 bilhão de dólares.
O "inventor"A
transformação da Fifa em "máquina de fazer dinheiro" ocorreu na Copa
sediada pela Alemanha em 1974, ano em que o brasileiro João Havelange
assumiu a presidência da organização.
Horst Dassler foi quem
introduziu o novo modelo de marketing na Fifa. Filho do fundador da
Adidas, Adolf Dassler, e presidente do conglomerado de artigos
esportivos de 1985 a 1987, ele reconheceu o potencial comercial da
federação internacional e conquistou os primeiros grandes financiadores.
Seu
plano foi atrair o interesse de multinacionais dispostas a pagar
milhões pelo privilégio de se apresentarem com exclusividade nos
Mundiais. Como contrapartida, elas têm destaque da marca nas faixas de
publicidade, contingentes grátis de ingressos, condições especiais para
convidados da firma e o uso exclusivo do logo da Copa do Mundo.
Os atuais parceiros da Fifa são Adidas, Coca-Cola, Sony, Visa, Emirates e Hyundai/Kia.
GastosDe
acordo com o direito suíço de associações, a Fifa também distribui
verbas elevadas. Em 2014 ela concedeu 509 milhões de dólares para
numerosos projetos de desenvolvimento. As seleções participantes do
Mundial no Brasil receberam 385 milhões de dólares, dos quais 35 milhões
de dólares foram para os cofres da campeã Alemanha.
'Seppocracia'Tudo
é relativo na Fifa. Até mesmo o tempo. "Acho que o tempo que passei na
Fifa não é longo", disse Joseph "Sepp" Blatter antes de sua reeleição no
65º congresso da Fifa. Lembrete: este homem está há 40 (!) anos na
entidade máxima do futebol mundial.
Em 1975, ele começou como
diretor de programas de desenvolvimento. Naquela época, o seu adversário
derrotado na disputa pela presidência da Fifa, o príncipe jordaniano
Ali bin al-Hussein, não era nem nascido. E não somente neste ponto
Blatter tem uma percepção bem própria das coisas.
Anos de
corrupção por parte de dirigentes do alto escalão da Fifa? Para Blatter,
apenas casos isolados. Indignação pública com o enésimo escândalo na
Fifa? Sujeira para a qual a Fifa está sendo arrastada. Assumir a
responsabilidade política pelo caso? "Sim, assumo", disse Blatter – mas
renunciar por causa disso, nem pensar.
Blatter constrói o seu
mundo do futebol do jeito que lhe agrada. E sua "família", como ele
chama a Fifa, de fato aceita isso. Para quem vê de fora, é algo
completamente incompreensível. Mas, dentro dessa família, as regras
simplesmente são outras.
Há quatro anos, estive em Zurique para o
congresso da Fifa de 2011. Na época também havia críticas públicas a
Blatter e à Fifa – não tão contundentes como as de hoje, mas claramente
audíveis. No interior do salão, porém, era tudo paz e amor. Somente a
Federação Inglesa de Futebol (FA) ousou tecer algumas críticas a
Blatter. Na época, pensei: um mundo paralelo, essa Fifa. Hoje tenho
certeza: a Fifa é um universo paralelo.
"Não precisamos de uma
revolução, precisamos de evolução", sustentou Blatter, com toda a
seriedade, diante dos dirigentes, oferecendo-se como o nome inovador
para uma "Fifa forte", que precisa ser protegida (por ele) de
interferências políticas. Como é que é? Justamente ele quer reformar um
sistema que tem sido moldado e influenciado por ele mesmo, durante
décadas? Assim, como se ele não tivesse nada que ver com essa Fifa que
está aí? Desconexão com a realidade é elogio num caso como esse.
E,
mesmo assim, o mundo bizarro da Fifa é bem real. Um mundo onde um
presidente em exercício provavelmente nunca deixará o cargo derrotado
numa eleição porque mantém o seu eleitorado com cargos e doações de
vários milhões de dólares. Um mundo no qual há influentes e ricos
"coletores de votos", como o xeque Ahmad al-Sabbah, que, em troca de sua
lealdade a Blatter, tem as melhores cartas para ser escolhido seu
sucessor em quatro anos.
Ambos trocavam abraços e demonstravam no
palco do congresso a certeza da vitória – antes mesmo da eleição. A
Fifa, uma democracia? Está mais para uma monarquia com sucessão
hereditária. Uma "Seppocracia". Depois que ele finalmente foi novamente
entronado, digo, eleito – porque seu desistiu de um segundo turno –,
Blatter festejou a si mesmo: "Let's go Fifa, let's go Fifa! Eu sou o
presidente de todos vocês".