Debora Rey e Michael Warren - Associated Press
Buenos
Aires (AE) - Ela usa cadeira de rodas e carrega o peso dos seus 87 anos,
mesmo assim Clélia Luro parece forte o bastante para fazer a Igreja
Católica prestar atenção na sua campanha pelo fim do celibato
obrigatório para os padres. Essa mulher, que se tornou parceira de um
bispo nos anos 1960, é tão íntima do papa Francisco que ele ligava para
ela todos os domingos quando era cardeal na Argentina. Clélia está
convencida de que Francisco vai eventualmente acabar com o celibato
obrigatório, uma exigência que “o mundo não suporta mais”. Ela acredita
que isso pode resolver o problema da escassez global de padres, além de
convencer muitos católicos que estão afastados da Igreja a renovarem sua
fé. “Eu acredito que, com o tempo, o celibato vai se tornar opcional.
Eu tenho certeza que o papa vai sugerir isso”, comentou.
Andrew Medichini
Francisco vem imprimindo novo ritmo de trabalho e, aos poucos, vai fazendo mudanças na Igreja
João
Paulo II, Bento XVI e outros papas antes deles proibiram qualquer
discussão pública sobre o assunto e Francisco ainda não mencionou essa
questão desde assumiu a liderança da Igreja. “Eu não vejo como isso
pode, de alguma forma, fazer parte da agenda dele”, afirma Robert Gahl,
teólogo da corrente Opus Dei e professor da Pontifícia Universidade da
Sagrada Cruz, em Roma.
Porém, quando era cardeal, Jorge Mario
Bergoglio, se referiu ao assunto do celibato de uma forma que inspirou
defensores do tema a acreditar que pode haver uma mudança no futuro. No
seu livro “No Céu e na Terra”, publicado no ano passado, ele afirma que
“no momento, eu sou a favor da manutenção do celibato, com seus prós e
contras, porque nós temos dez séculos de boas experiências, em vez de
fracassos”. Entretanto, ele aponta também que “essa é uma questão de
disciplina, não fé, e pode mudar”. Segundo ele, a Igreja Católica
Oriental, onde o celibato é opcional, tem bons padres.
“No caso
hipotético de a Igreja decidir revisar essa regra, seria por uma razão
cultural, assim como aconteceu na Igreja Ortodoxa, onde eles ordenam
homens casados”, afirmou o líder da Igreja no livro “Papa Francisco:
Conversas com Jorge Bergoglio”, relançado no mês passado pelos biógrafos
Sérgio Rubin e Fracesca Ambrogetti.
Clélia e o marido, o
ex-bispo de Avellaneda, Jerónimo Podestá, foram ignorados pela Igreja
Católica por muitos anos, mas Bergoglio não hesitou em visitá-los quando
Podestá ficou doente, em 2000. Eles se tornaram bons amigos desde então
e Clélia diz que Bergoglio ligou para ela todos os domingos nos últimos
12 anos. Eles discutiam com frequência o tema do celibato.
Clélia
agora acredita que a eleição de um jesuíta que está comprometido com a
expansão global da Igreja e quer reafirmar o compromisso com os pobres
mostra a disposição de adotar profundas mudanças para conter a perda de
fiéis.
Vaticanista sugere debate interno
Segundo
Thomas Reese, jesuíta e vaticanista da Universidade de Georgetown, um
primeiro passo para Francisco seria indicar que o assunto pode ser
debatido. “O Vaticano liderado por João Paulo II e Bento XVI disse que
certos assuntos estavam fora de debate, e qualquer bispo que discutisse
isso estaria em apuros. Teólogos que escrevessem sobre isso estariam em
apuros. Então a questão é se Francisco vai permitir uma discussão aberta
na Igreja”, explica.
O artigo 277 do código legal do Vaticano
afirma que “os clérigos são obrigados a observar uma perfeita e perpétua
castidade pelo bem do reino dos céus e estão, assim, obrigados ao
celibato”. “O celibato é um presente especial de Deus pelo qual seus
ministros sagrados podem mais facilmente permanecer próximos de Cristo,
com um coração sem divisões, e podem se dedicar mais livremente ao
serviço de Deus e seu vizinho”, diz o texto. Mesmo assim, o celibato não
é um dogma - uma lei de origem divina - mas uma tradição da Igreja
Católica Romana. Dogmas não podem mudar, mas tradições sim.
“Nós
estamos muitos entusiasmados e esperançosos de que Francisco pode
reverter essa medida canônica”, afirma Guillermo Schefer, ex-padre que
junto com sua esposa, Natália Bertoldi, é vice-presidente da Federação
Latino-Americana de Padres Casados. “É importante que os padres também
possam optar por uma vida de casamento e família. Isso ajudaria eles a
se integrarem mais com o povo”, opina.
Na Igreja Oriental,
seminaristas que já são casados podem ser ordenados padres. Alguns
padres casados da Igreja Anglicana também receberam permissão para se
converter ao catolicismo romano, e alguns viúvos com família se tornam
padres após a morte da esposa.
“Francisco tem dito praticamente
todos os dias no Vaticano que os padres precisam evitar os prazeres
mundanos para espalhar o Evangelho. Aqueles que defendem o celibato
opcional dizem que o sacerdócio é muito difícil e poderia ser facilitado
com o casamento. Mas o que o papa está dizendo é que se você fizer esse
sacrifício, terá alegria pura”, afirma o teólogo Robert Gahl.
Medida pode afetar finanças dos padres
Aqueles
que resistem à mudança dizem que o celibato tem outros benefícios,
inclusive financeiros. Se os quase 400 mil padres católicos tivessem
famílias - e grandes, porque a Igreja proíbe métodos contraceptivos -
seus salários relativamente pequenos teriam de ser aumentados
exponencialmente. Ainda assim, dezenas de milhares de padres deixam o
ministério para casar e muitos outros, em especial na África e na
América Latina, continuam no sacerdócio e mantém relacionamentos
escondidos. Bergoglio condena tais práticas nos seus livros. “O que eu
não posso aceitar é uma vida dupla. Se alguém não puder manter seu
ministério, eu digo para ficar em casa e buscar uma dispensa papal,
assim poderá receber o sacramento do casamento.”
Bento XVI teve
de reafirmar a obrigatoriedade do casamento em resposta a uma campanha
de um arcebispo africano casado que foi excomungado depois de desafiar o
Vaticano e ordenar quatro homens casados como bispos.
O cardeal
brasileiro Cláudio Hummes, que é amigo de Bergoglio, se viu no centro de
uma polêmica após afirmar em uma entrevista, em 2006, que o celibato
não é uma “lei divina”, pouco antes de viajar para Roma para chefiar o
escritório do Vaticano que cuida dos padres. O comentário causou tantas
discussões sobre uma possível mudança que Hummes teve de publicar uma
longa carta reafirmando o celibato.
A viúva argentina Clélia
estava separada e com seis filhos quando conheceu o bispo Podestá, em
1966. Ela tinha 39 anos e ele, 46. “Eu fui a primeira mulher de
Jerónimo”, lembra. Em vez de esconder o caso, eles assumiram o
relacionamento e iniciaram uma campanha pelo celibato opcional.
Fonte do www.tribunadonorte.com.br