segunda-feira, 3 de junho de 2013

Viúva reaviva debate sobre celibato

Debora Rey e Michael Warren - Associated Press

Buenos Aires (AE) - Ela usa cadeira de rodas e carrega o peso dos seus 87 anos, mesmo assim Clélia Luro parece forte o bastante para fazer a Igreja Católica prestar atenção na sua campanha pelo fim do celibato obrigatório para os padres. Essa mulher, que se tornou parceira de um bispo nos anos 1960, é tão íntima do papa Francisco que ele ligava para ela todos os domingos quando era cardeal na Argentina. Clélia está convencida de que Francisco vai eventualmente acabar com o celibato obrigatório, uma exigência que “o mundo não suporta mais”. Ela acredita que isso pode resolver o problema da escassez global de padres, além de convencer muitos católicos que estão afastados da Igreja a renovarem sua fé. “Eu acredito que, com o tempo, o celibato vai se tornar opcional. Eu tenho certeza que o papa vai sugerir isso”, comentou.
Andrew MedichiniFrancisco vem imprimindo novo ritmo de trabalho e, aos poucos, vai fazendo mudanças na Igreja 
Francisco vem imprimindo novo ritmo de trabalho e, aos poucos, vai fazendo mudanças na Igreja

João Paulo II, Bento XVI e outros papas antes deles proibiram qualquer discussão pública sobre o assunto e Francisco ainda não mencionou essa questão desde assumiu a liderança da Igreja. “Eu não vejo como isso pode, de alguma forma, fazer parte da agenda dele”, afirma Robert Gahl, teólogo da corrente Opus Dei e professor da Pontifícia Universidade da Sagrada Cruz, em Roma.

Porém, quando era cardeal, Jorge Mario Bergoglio, se referiu ao assunto do celibato de uma forma que inspirou defensores do tema a acreditar que pode haver uma mudança no futuro. No seu livro “No Céu e na Terra”, publicado no ano passado, ele afirma que “no momento, eu sou a favor da manutenção do celibato, com seus prós e contras, porque nós temos dez séculos de boas experiências, em vez de fracassos”. Entretanto, ele aponta também que “essa é uma questão de disciplina, não fé, e pode mudar”. Segundo ele, a Igreja Católica Oriental, onde o celibato é opcional, tem bons padres.

“No caso hipotético de a Igreja decidir revisar essa regra, seria por uma razão cultural, assim como aconteceu na Igreja Ortodoxa, onde eles ordenam homens casados”, afirmou o líder da Igreja no livro “Papa Francisco: Conversas com Jorge Bergoglio”, relançado no mês passado pelos biógrafos Sérgio Rubin e Fracesca Ambrogetti.

Clélia e o marido, o ex-bispo de Avellaneda, Jerónimo Podestá, foram ignorados pela Igreja Católica por muitos anos, mas Bergoglio não hesitou em visitá-los quando Podestá ficou doente, em 2000. Eles se tornaram bons amigos desde então e Clélia diz que Bergoglio ligou para ela todos os domingos nos últimos 12 anos. Eles discutiam com frequência o tema do celibato.

Clélia agora acredita que a eleição de um jesuíta que está comprometido com a expansão global da Igreja e quer reafirmar o compromisso com os pobres mostra a disposição de adotar profundas mudanças para conter a perda de fiéis.

Vaticanista sugere debate interno

Segundo Thomas Reese, jesuíta e vaticanista da Universidade de Georgetown, um primeiro passo para Francisco seria indicar que o assunto pode ser debatido. “O Vaticano liderado por João Paulo II e Bento XVI disse que certos assuntos estavam fora de debate, e qualquer bispo que discutisse isso estaria em apuros. Teólogos que escrevessem sobre isso estariam em apuros. Então a questão é se Francisco vai permitir uma discussão aberta na Igreja”, explica.

O artigo 277 do código legal do Vaticano afirma que “os clérigos são obrigados a observar uma perfeita e perpétua castidade pelo bem do reino dos céus e estão, assim, obrigados ao celibato”. “O celibato é um presente especial de Deus pelo qual seus ministros sagrados podem mais facilmente permanecer próximos de Cristo, com um coração sem divisões, e podem se dedicar mais livremente ao serviço de Deus e seu vizinho”, diz o texto. Mesmo assim, o celibato não é um dogma - uma lei de origem divina - mas uma tradição da Igreja Católica Romana. Dogmas não podem mudar, mas tradições sim.

“Nós estamos muitos entusiasmados e esperançosos de que Francisco pode reverter essa medida canônica”, afirma Guillermo Schefer, ex-padre que junto com sua esposa, Natália Bertoldi, é vice-presidente da Federação Latino-Americana de Padres Casados. “É importante que os padres também possam optar por uma vida de casamento e família. Isso ajudaria eles a se integrarem mais com o povo”, opina.

Na Igreja Oriental, seminaristas que já são casados podem ser ordenados padres. Alguns padres casados da Igreja Anglicana também receberam permissão para se converter ao catolicismo romano, e alguns viúvos com família se tornam padres após a morte da esposa.

“Francisco tem dito praticamente todos os dias no Vaticano que os padres precisam evitar os prazeres mundanos para espalhar o Evangelho. Aqueles que defendem o celibato opcional dizem que o sacerdócio é muito difícil e poderia ser facilitado com o casamento. Mas o que o papa está dizendo é que se você fizer esse sacrifício, terá alegria pura”, afirma o teólogo Robert Gahl.

Medida pode afetar finanças dos padres

Aqueles que resistem à mudança dizem que o celibato tem outros benefícios, inclusive financeiros. Se os quase 400 mil padres católicos tivessem famílias - e grandes, porque a Igreja proíbe métodos contraceptivos - seus salários relativamente pequenos teriam de ser aumentados exponencialmente. Ainda assim, dezenas de milhares de padres deixam o ministério para casar e muitos outros, em especial na África e na América Latina, continuam no sacerdócio e mantém relacionamentos escondidos. Bergoglio condena tais práticas nos seus livros. “O que eu não posso aceitar é uma vida dupla. Se alguém não puder manter seu ministério, eu digo para ficar em casa e buscar uma dispensa papal, assim poderá receber o sacramento do casamento.”

Bento XVI teve de reafirmar a obrigatoriedade do casamento em resposta a uma campanha de um arcebispo africano casado que foi excomungado depois de desafiar o Vaticano e ordenar quatro homens casados como bispos.

O cardeal brasileiro Cláudio Hummes, que é amigo de Bergoglio, se viu no centro de uma polêmica após afirmar em uma entrevista, em 2006, que o celibato não é uma “lei divina”, pouco antes de viajar para Roma para chefiar o escritório do Vaticano que cuida dos padres. O comentário causou tantas discussões sobre uma possível mudança que Hummes teve de publicar uma longa carta reafirmando o celibato.

A viúva argentina Clélia estava separada e com seis filhos quando conheceu o bispo Podestá, em 1966. Ela tinha 39 anos e ele, 46. “Eu fui a primeira mulher de Jerónimo”, lembra. Em vez de esconder o caso, eles assumiram o relacionamento e iniciaram uma campanha pelo celibato opcional.
Fonte do www.tribunadonorte.com.br

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